TABAGISMO ENTRE MULHERES – PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA QUE CRESCE NO SILÊNCIO E NA SOLIDÃO

SOBRE O ALUNO

Iáskara Carolina da Cunha

Marcelo Rocha Soares da Silva

ARTIGO

INTRODUCÃO

A relação entre solidão e o crescimento do tabagismo entre mulheres é um fenômeno identificado e transformado em objeto de estudos científicos nas últimas décadas do século XX e nas quase duas décadas do século XXI. Um universo cada vez mais amplo e cheio de causas e efeitos.

Para entender essa estreita relação é preciso, primeiro, entender o conceito de “solidão” nos tempos atuais, e como ela pode impulsionar o comportamento feminino para diversas fugas da realidade, entre elas o tabagismo3.

Professora de Literatura da Amherst College, Universidade de Artes Liberais dos Estados Unidos, Amelia Worsley, estudiosa do tema, afirma: “As mudanças de significado de solidão podem nos dizer muito sobre como as pessoas em diferentes momentos entenderam suas experiências mentais, emocionais e físicas, e como se relacionaram umas com as outras”3.

Em um livro ainda em andamento sobre mudanças do conceito em culturas ocidentais, Amelia Worsley quer explicar como a palavra “solidão” passou a ser descrita como um sintoma de problema de saúde – e não mais como um sentimento que, ao longo da história, inspira poetas, romancistas, cineastas e outros artistas3.

Um problema de saúde agravado pelo estresse da vida moderna, as inúmeras cobranças que recaem sobre a mulher em seus múltiplos papéis – mãe, esposa, profissional, chefe de família e modelo de um padrão de beleza que ignora a individualidade, só para citar os mais comuns; as relações pessoais e afetivas, muitas inconsistentes e insatisfatórias; violência doméstica e declínio da situação econômica. Um caminho aberto para válvulas de escape, notadamente o cigarro, que em muitos casos se torna o companheiro, o confidente, quase uma catarse diante do rolo compressor da rotina diária4,2

A relação entre solidão e tabagismo já se tornou uma preocupação em vários países, principalmente nas grandes potências – Estados Unidos, Japão e Grã-Bretanha -, mas também em países em desenvolvimento, como o Brasil. No Reino Unido (formado por Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte) já foi criado o Ministério da Solidão para desenvolver políticas públicas de enfrentamento a esse problema3.

A fragilidade emocional provocada pela solidão é terreno fértil para a proliferação do tabagismo. O estudo “As Mulheres e o Tabaco – Tendências Mundiais” aponta para o aumento de porcentagem de fumantes no mundo provocado pelas mulheres.

As mulheres estão adotando papéis mais dominantes na sociedade, aumentaram

seu poder aquisitivo… Tudo isso faz das mulheres um importante alvo…2

Ainda segundo esse estudo, “o controle do tabaco é uma questão crítica da saúde da mulher. Atualmente, quatro vezes mais homens fumam do que mulheres, mas, enquanto os índices de homens fumantes se estabilizou, o número de mulheres que fumam cigarro segue aumentando. Isso ocorre, principalmente, em países em desenvolvimento e em alguns países do leste, centro e sul da Europa”2

O estudo estima que o número de mulheres fumantes já esteja em 250 milhões, cerca de 20 % dos fumantes do planeta (dados reforçados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) – publicados no site do Instituto Nacional de Câncer (INCA). Um número que pode dobrar nas próximas gerações, a despeito de todos os efeitos maléficos do cigarro no corpo humano2,4

Diante desse cenário, a indústria do cigarro direciona estratégias de marketing específicas para o público feminino, a fim de tornar o fumo cada vez mais atraente para as mulheres, incentivando conceitos como liberdade, auto-afirmação, empoderamento e até igualdade social e de gênero4

Ainda segundo dados da (OMS) – publicados no site do INCA -, “enquanto a prevalência de fumantes masculinos atingiu o pico, as taxas do sexo feminino estão em ascensão em vários países”1

Portanto, o tabagismo – assim como a solidão, que pode evoluir para um quadro depressivo – é um problema de saúde pública em vários países, que requer uma intervenção mais severa dos órgãos de saúde pública3.

Conforme o artigo “Tabagismo e saúde da mulher” (site do INCA), as três principais causas de morte entre mulheres no Brasil podem estar relacionadas ao tabagismo: doenças cardiovasculares (infarto agudo do miocárdio e acidente vascular encefálico); neoplasias malignas (câncer de mama, pulmão e colo de útero) e doenças respiratórias1.

O fumo também reduz a taxa de fertilidade de 75% para 57% entre mulheres que não usam métodos contraceptivos hormonais1.

Além dos problemas físicos, o tabagismo provoca problemas emocionais, principalmente na pessoa que quer parar e não consegue, e dificuldades de relacionamento com filhos, companheiros, colegas de trabalho e não-fumantes. Cada vez mais o fumante é empurrado para espaços específicos, sendo obrigado a enfrentar os efeitos maléficos do vício e a rejeição daqueles que não aceitam o tabagismo3.

As políticas públicas de saúde para combater o aumento do tabagismo entre mulheres precisam ser ampliadas e garantidas a todas as classes sociais, de forma gratuita e humanizada1,3.

Este estudo pretende mostrar como o tabagismo acaba sendo um caminho perigoso para mulheres que se encontram em um labirinto emocional, sem uma seta a indicar a porta de saída1,2,3.


OBJETIVO GERAL

            Conhecer por meio de pesquisa de caso como o tabagismo vem aumentando entre as mulheres.

 

METODOLOGIA

Pesquisa qualitativa, através de entrevista semiestruturada.

 

DESENVOLVIMENTO

O cigarro começou a fazer parte do universo feminino por diversos motivos. Um deles foi a influência do cinema norte-americano, nos anos 1940 e 1950, quando as divas apareciam nas telas lindas, loiras, glamourosas e dando baforadas que invadiam o imaginário das mulheres. A grande depressão nos Estados Unidos em 1929, que abalou a economia no planeta, o período pós-guerra mundial e a revolução nos costumes, principalmente com mais liberdade para as mulheres, ajudaram a transformar o cigarro em um símbolo da liberação feminina, que se tornaria uma grande bandeira a partir das décadas seguintes.

Companheiro de momentos de alegria e autoafirmação, o cigarro foi perdendo ao longo dos anos a aura de encanto e liberação, e chegando ao terceiro milênio como um problema de saúde pública, graças às suas mais de 4 mil substâncias nocivas ao organismo, ao alto grau de dependência que acarreta e às graves enfermidades que provoca, muitas delas com o carimbo de uma sentença de morte.

Ao buscar exemplos de mulheres que hoje mantêm um relação de amor e ódio com o cigarro, de dependência, repulsa e vergonha, encontramos mulheres distintas, mas com pontos de convergência quando o assunto é o vício de fumar – que para muitas ainda é visto como um hábito ou uma válvula de escape.

 

COMPANHEIRO NA SOLIDÃO

Em três depoimentos, mulheres adultas – na faixa etária entre 30 e 60 anos –, mães, com religiões declaradas e profissões definidas, falam do convívio diário com o tabagismo, e como esse “amigo” de algumas horas, com quem procuram fugir de problemas e das pressões do dia a dia, acaba se tornando o vilão, que não pode ser exibido em público e muito menos no ambiente familiar. Elas também mostram, em seus relatos, a dificuldade em se livrar do vício, em virar essa página.

“Fumo fora de casa. Quando quero fumar eu vou lá no quintal, que eu não gosto de cheiro em casa para não incomodar ninguém”, conta B.N., 34 anos, mãe de cinco filhos e que trabalha como instrutora.

O constrangimento em fumar em público também está presente no depoimento da funcionária pública T.C.S.G., 58 anos. “Eu geralmente me afasto. Sempre procuro uma área aberta. Eu não fumo na frente de ninguém. Eu tenho preocupação de sempre quando vou falar com as pessoas ter uma bala na boca após o fumo”.

A expressão “vergonha” aparece no depoimento deJ.R.B., 39 anos, mãe de dois filhos, que trabalha como atendente em uma farmácia. “Eu não fumo na rua, eu não fumo no trabalho. Na verdade, eu tenho vergonha de fumar na rua.     Agora, se eu tô numa festa não me impede assim, eu não tenho essa vergonha. Talvez porque todo mundo fuma, todo mundo tem aquele fumódromo, um ambiente para sair. Mas no dia a dia eu não fumo na rua, não fumo no meu ambiente de trabalho, nem saio do trabalho para fumar”.

Os três depoimentos deixam clara uma relação ambígua com o cigarro. Se por um lado elas não conseguem resistir aos apelos da nicotina, por outro lado não encaram o tabagismo como uma atitude normal, sem consequências, que possa fazer parte do convívio com a família e no ambiente de trabalho.

Nas palavras de duas entrevistadas também é nítida a relação do tabagismo com exemplos familiares. Ambas são oriundas de famílias de fumantes – pais e irmãos -, e começaram o envolvimento com o cigarro ainda na adolescência.

J.R.B. fumou pela primeira vez aos 17 anos. Entre paradas e recaídas, passou cinco anos longe do cigarro. “Voltei, fumei um ano e meio. Fumei mais sete. Voltei, fumei dois anos, aí parei quatro anos. Agora faz um ano que voltei a fumar de nono”.           Dos 17 aos 39 anos, J.R.B. abandonou o cigarro por vários períodos, mas sempre acabou sucumbindo ao vício.

B.N. começou a fumar aos 15 anos, mesma idade do primeiro contato de T.C.S.G. com o cigarro, e esta só parou de fumar nos períodos de gravidez, voltando ao tabagismo após o nascimento dos filhos.

 

RELAÇÃO FAMILIAR

Para o fumante, o cigarro pode ter inúmeras vantagens, mas é inegável que causa transtornos no ambiente familiar. O fumante, geralmente, enfrenta a resistência de familiares e até de amigos. A família de J.R.B. não aceita sua relação com o cigarro. “Eles são contra. Inclusive, eu tenho irmão que fumava dos 14 anos até agora. Ele tá com 45 anos. Ele parou faz dois anos e não pensa em fumar mais. Critica bastante, mas ele sabe o quanto é difícil”.

T.C.S.G., que fuma uma carteira por dia, inclusive nos finais de semana, também enfrenta a rejeição das filhas e dos irmãos ao tabagismo. “As minhas filhas me cobram muito pra eu largar, assim como alguns irmãos, que já foram fumantes e pararam”, conta a funcionária pública, cujos pais também são fumantes.

A convivência com o tabagismo também faz parte da realidade de J.R.B., que fuma até quatro cigarros por dia. “Meu pai foi fumante durante 35 anos. Aí ele parou, disse que não ia fumar mais, e simplesmente não fumou mais”. Ela também perdeu um tio, vítima de câncer de pulmão provocado pelo tabagismo. A história de T.C.S.G. é outra que passa pela convivência com pais fumantes.

B.N., que fuma “uns quatro” cigarros por dia, diz que há caso de doença na família em função do fumo, mas não entra em detalhes. Para J.R.B., o final de semana potencializa a necessidade de fumar. “No final de semana eu fumo bastante. Fumo, em média, por final de semana, uma carteira de cigarros”.

 

IMPACTO NO ORÇAMENTO FAMILIAR

O impacto de qualquer vício no orçamento familiar é considerável, principalmente nas classes de menor poder aquisitivo, cuja renda mensal oscila entre um e dois salários mínimos (menos de R$ 1 mil). Atualmente, uma carteira de cigarros custa, em média, oito reais – valor que pode ser menor se o cigarro for clandestino.

Sobre a influência do tabagismo no orçamento familiar, J.R.B. diz na entrevista que “nunca parei para fazer um cálculo”, mas acredita nesse impacto. Ao ser questionada sobre a interferência do tabagismo no orçamento familiar, B.N. responde apenas “não”, também sem dar mais explicações.

O aspecto financeiro não é uma preocupação para a funcionária pública T.C.S.G. quando o assunto é o tabagismo. Sobre o impacto do consumo de cigarros nas finanças pessoais, ela garante que “não sente”, mas pondera que “talvez eu nunca tenha parado pra pensar, mas deve interferir”.

 

A DIFICULDADE EM VENCER O TABAGISMO

Um dos maiores problemas de qualquer vício não é começar – já que as drogas lícitas e ilícitas estão ao alcance de todos -, e sim, parar, encerrar esse capítulo na vida e trilhar um novo caminho, sem os agentes que levam à dependência, principalmente química.

Parar não é nada fácil, e isso fica evidente nas respostas das três entrevistadas. J.R.B. afirma que já tentou “várias vezes” ficar longe do cigarro, mas acaba voltando a fumar. O mesmo ocorre com B.N. “Sim, eu sempre paro. Fico por alguns meses sem fumar. Depois eu volto de novo”, admite. T.C.S.G. diz que só se afastou do cigarro quando ficou grávida, mas depois voltou ao vício. “Sentia necessidade. Dependência psicológica, creio eu, já que parava nove meses”.

A dificuldade em vencer esse enfrentamento se deve principalmente, segundo as entrevistadas, ao significado que o cigarro acaba tendo no dia a dia. Para B.N., o estresse é a grande mola que leva a acender um cigarro. “Quando eu estou estressada fumo como uma saída, um escape. Eu fumo naquele momento, mas quando termino eu me arrependo”, diz a instrutora.

Outro grande dilema no tabagismo é admitir a condição de fumante. B.N. aceita apenas “parcialmente” esse rótulo. “Eu não sou de fumar todos os dias, e nem sempre tenho que comprar outra carteira de cigarro quando aquela tá acabando. Eu passo dez a 15 dias sem fumar”, garante B.N., que vê no momento de fumar a oportunidade para “pensar” na vida, refletir sobre os problemas cotidianos. Por isso, ela considera o ato de fumar um momento solitário.

A sensação de “calma” que o cigarro proporciona em situações de estresse também foi citada por T.C.S.G. “Ele me acalma muito quando eu estou estressada”.

Ao contrário das outras entrevistadas, ela assume que é fumante, e conta que já tentou parar de fumar, mas considerou a experiência “traumática”. “Eles jogam a carteira de cigarros fora. Saí de lá e, às 10 horas da noite, peguei o carro e fui comprar uma carteira de cigarros. Eu não aguentei. Eu saí de lá achando que não ia ter vontade mais de fumar. Fui trabalhar. Passei o dia ruim, não conseguia me concentrar em nada”, relata a funcionária pública.

Apesar das dificuldades, ela pretende tentar mais uma vez se livrar do tabagismo. “Penso em parar. Já conversei aqui no próprio trabalho com algumas pessoas que já conseguiram parar de fumar.             Estou aguardando o retorno de uma pessoa que está de licença pra me entregar o endereço e iniciar o tratamento”.

 

CONCLUSÃO

Entrar em contato com os relatos dessas três mulheres e suas relações com o cigarro reafirmou o motivo deste trabalho: mostrar como o tabagismo é muito mais um problema do que uma solução, principalmente para as mulheres.

Mães, companheiras, trabalhadoras, com sonhos e perspectivas, as três mulheres entrevistadas deixam claro como o cigarro pode ser usado como válvula de escape, tábua de salvação, alívio em momentos de estresse.

Seus depoimentos também deixaram claro como essa convivência com o tabagismo é conflituosa, dolorida, gera conflitos familiares e sociais, além de provocar certo isolamento, motivado pela vergonha, pelo constrangimento em fumar diante dos familiares, dos amigos e em público.

Os relatos evidenciam, ainda, como é difícil a luta contra a dependência do cigarro. Elas tentaram, por várias vezes, abandonar o vício, mas ainda não conseguiram, como milhões de fumantes em todo o mundo.

E diante de uma realidade cada vez mais competitiva, que obriga as mulheres a enfrentar rotinas estressantes, o cigarro acaba se tornando o companheiro nessa solidão, preenchendo um vazio e dando uma falsa sensação de conforto, que infelizmente acaba se esvaindo feito fumaça.

 

REFERÊNCIAS

  1. http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/acoes_programas/site/home/nobrasil/programa-nacional-controle-tabagismo/mulheres
  2. tobaccofreecenter.org/ As mulheres e o tabaco: Tendências Mundiais, acesso em: 07/06/2018 as 20:15.
  3. Modelli .L. De sentimento a sintoma, pesquisadora traça mudanças do conceito de solidão. BBC Brasil,15/05/2018.
  4. Borges Márcia Terezinha Trotta, Simões-Barbosa Regina Helena. Cigarro “companheiro”: o tabagismo feminino em uma abordagem crítica de gênero. Cad. Saúde Pública  [Internet]. 2008  Dez [citado  2018  Jun  07] ;  24( 12 ): 2834-2842. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo