A vida é curta para ser pequena – por Mario Sergio Cortella 

GENGIVITE3

Um novo ano começou e, com ele, a nossa vontade de mudar, de fazer tudo novo. O problema é que muita gente pensa que esse é o único momento para mudar e, na ânsia de ter uma vida diferente, na maioria das vezes, quer que isso aconteça do dia para noite e exagera na régua de expectativas.

É claro que não há mal nenhum em querer que as coisas melhorem em 2018 e para isso é essencial sonhar e fazer planos. Dessa forma as coisas vão mudar? Possivelmente algumas coisas, mas a mudança não vai acontecer de uma hora para outra.

Precisamos, sim, fazer planos, ter objetivos, porém, sem exageros e estar preparados para uma mudança de roteiro caso alguma coisa saia do controle e evitar assim a frustração. Se algo não der certo, parta para o plano B. Só não se esqueça que talvez a mudança que você espera não esteja no ano que começa e sim na sua mudança de comportamento. Não basta sentar e achar que as coisas chegarão até você, é preciso que entender que a sorte segue a coragem.”Como disse o pensador inglês do século 19 Benjamin Disraeli, ‘A vida é muito curta para ser pequena’. É preciso engrandecê-la”, diz um dos mais conhecidos filósofos brasileiros, Mario Sergio Cortella, mestre e doutor em educação.

De que forma? Sobre esse assunto, Cortella conversou com exclusividade com o Diário da Região e dá algumas dicas. “Precisamos rever as nossas prioridades. Mas será que não estamos cuidando do urgente e deixando de lado o que realmente importa? Será que não estamos indo atrás apenas do fundamental, em vez de ir em busca do essencial?”, questiona.

Por que a maioria das pessoas só percebe que a vida é muito curta quando se passou muito tempo?

Mario Sergio Cortella – Porque nossa percepção de tempo de vida nem sempre é marcada por aquilo que nos resta, mas por aquilo que a gente deseja. Isto é, aquilo que se imagina que garanta para nós um tempo que não tem término. Mas o melhor alerta para nós em relação à vida que é curta é exatamente a nossa ideia de mortalidade. A nossa consciência da mortalidade não é negativa, afinal de contas é isso que desperta algumas pessoas da letargia. Agora, muitas pessoas – e não são poucas – se distraem em relação a isso e uma hora para e como Chico Buarque, dizem ” Vida, minha vida, olha o que eu fiz…” e aí já fica um pouco tarde para várias situações.

As pessoas estão vivendo uma vida pequena? Por entraram nesse ritmo de vida e estão cuidando demais do urgente e deixando de lado o que é importante?

Cortella – Porque nós, numa vida que hoje está mais apressada, acabamos imaginando que esse é o único modo de ser, mas como uma vida apressada, porém apressada de agenda lotada de compromissos cada vez mais pessoas que vivem mais conectadas com várias áreas, vivem menos consigo mesmas. Como hoje estamos vivendo muito numa conexão de apreciação, que é preciso estar apreciando as pessoas o tempo todo, em que a vida é medida em termos de exuberância pelo número de “likes” e “unlikes” que se tem, isso faz com que haja não só ausência de tempo, mas uma perda de tempo. Evidentemente que não é toda rede social e tecnologia que sugere perda de tempo, mas a não utilização com parcimônia, inteligência e uma medida boa, faz com que se perca um tempo imenso ao dar retorno apenas para não chatear a outra pessoa. Isso faz com que, a vida que é curta, vá se apequenando exatamente pela ausência de capacidade de cuidar daquilo que é importante.

Mas talvez esse cuidado em responder um bom dia pelas redes sociais para as pessoas que amamos não seja realmente o importante?

Cortella – Obviamente, desde que não seja pelo automático, pelo robótico. Uma parte de todos esses “bom dias” poderia ser feito por uma máquina pela forma como algumas pessoas fazem. Mais importante do que responder ao bom dia, é não deixar de ligar para ela no aniversário, tomar cautela para não rarefazer a relação concreta, pessoal e afável porque estarmos perto não significa que estamos juntos. Estar ao mesmo tempo, não significa estar juntos, muita gente está fazendo as coisas ao mesmo tempo mas não está junto no sentido afetivo, amoroso, fraterno, apenas no mesmo lugar. Hoje as redes sociais são exuberantes, mas elas ganham um nível de importância da superficialidade, muitas vezes de banalidade. Não tenho a menor dúvida que elas favorecem a possibilidade de contato, mas é preciso transformar contato em convivência.

As pessoas estão se preocupando muito com o fundamental e deixando o essencial de lado?

Cortella– Eu gosto muito quando Benjamin Disraeli escreveu a frase “A vida é muito curta para ser pequena” e imagino que por trás houvesse uma intenção muito forte dele de nos advertir sobre a necessidade- sem abandonarmos a procura daquilo que é fundamental, isto é, aquilo que é fundamento, que apoia a nossa condição de vida – que a gente em nome dele não deixe de lado de fato o essencial que é aquilo que faz com que a vida tenha sentido e muita gente esquece. O fundamental na vida como eu digo sempre é como uma escada. Ninguém tem uma escada para ficar em cima dela mas para ir a algum lugar, mas muitos se contentam grudar na escada e não deixar ninguém usar, a pessoa imagina que se sobe sozinha e que, se é a dona da escada, tem a vida garantida, o que não é verdade, afinal de contas. Meu avô todos os dias me fazia duas perguntas. Uma tem a ver com a vida que é muito curta e outra, com o que é fundamental e essencial. “Quais são seus planos para o futuro?”, perguntava. Fiz isso com meus filhos e hoje faço com meus netos, isso é não deixar que se acalmem com relação a pensar o futuro, não é viver o futuro agora porque isso conduz a um sofrimento pela impossibilidade, mas pensar nele como sendo o lugar onde a gente vai estar. A segunda pergunta diária dele era: “na vida, o que você vai querer, ser alguém ou ser o mais rico do cemitério?”. Isso impacta e nos faz pensar o quanto que o fundamental tem seu lugar mas não pode nem ser exclusivo e aquele que ocupa toda a nossa existência. O fundamental ajuda a chegar ao essencial mas ele, em si, não é. Numa lembrancinha de Natal, o que vale é ter lembrado, por isso, a lembrança. O que será transportado na lembrança que é o objeto material é absolutamente secundário e neste sentido o mundo do essencial é primário, é aquilo que está na fonte. O fundamental é secundário.

Muita gente fez um monte de planos para 2018 e grande parte não vai ser cumprida. Como não desviar dessas metas?

Cortella – A frase chinesa antiga é verdadeira: toda caminhada começa com um passo mas ele tem de ser dado. Vou lançar um livro no dia 25 de janeiro que chama “A Sorte Segue a Coragem” (ed. Planeta). A pessoa que tem projetos e planos e acaba se frustrando, pode ter cometido dois equívocos: o primeiro dele é ter colocado um objetivo além da sua condição e isso gera frustração. Há uma diferença na vida entre sonho e delírio. Sonho é o desejo que pode ser realizado, delírio é o desejo sem possibilidades. Na vida, é preciso sonhar, mas o delírio leva a uma frustração imensa. Por outro lado, além das pessoas esquecerem que elas têm de ter um objetivo muito nítido, elas têm de lembrar que têm de ter iniciativa. Não basta sentar e achar que as coisas chegarão, é preciso que elas entendam que a sorte segue a coragem. A pessoa tem de ter coragem para partir e essa tem de ser uma coragem preparada, meditada estudada e quanto mais coragem e preparo você tem, mais a “sorte” chega até você.

Como devem ser esses planos para 2018 para evitar a frustração?

Cortella – É preciso que sejam factíveis. Há uma diferença entre ter planos e delírio. Ter planos é bom, mas um dia Publílio Siro (escritor da Roma antiga) escreveu: “Um plano que não pode ser mudado não presta”. Um plano não é um cabresto, não é algo que você faça e não tenha possibilidade de alteração. Um plano tem de ser passível de possibilidade, ele não pode ser marcado pela volubilidade, isto é, bateu o vento, ele muda, mas ele tem de ser flexível. Existe uma coisa na vida chamada imponderabilidade. O imponderável não é o inevitável, ele é o inesperado que vez ou outra você tem de levar em conta que ele poderá vir à tona: eu não tenho todo o controle sobre aquilo que penso, desejo e vou fazer. Seria uma arrogância imensa imaginar isso mas se eu tenho algum controle e nesse controle que tenho sobre mim mesmo é preciso que eu tenha planos claros, alegres, decentes, e, acima de tudo, factíveis, realizáveis, senão, o que eu vou ficar em 2018 é frustrado, adoentado e melancólico.

Qual a vida que vale a pena ser vivida afinal?

Cortella – O Clóvis de Barros Filho tem um livro ótimo com esse nome e, de fato, como ele mesmo lembra, a vida que vale a pena ser vivida é aquela que a gente não tenha o apequenamento da existência, uma incapacidade de partilha, uma impossibilidade de ter potência de viver, como ele mesmo levanta. Portanto, uma vida que não seja desperdiçada, banal, fútil, inútil, superficial, morna. Essa, sim, é a vida que vale a pena e não uma vida que eu acumule, uma na vida na qual quando eu me for, eu possa olhar, se der tempo, para minha trajetória e imaginar: que bom ter existido, que bom que eu não vivi de forma mesquinha, de forma egoísta, de forma tola, que eu pude aprender, partilhar, conviver, pude ter emoções – algumas que eu não queria ter porque elas eram negativas, mas que eu vou deixar para trás e não fiz com que elas me dominassem. Essa, sim, é a vida que vale a pena ser vivida. É ter um grande espírito, aquilo que os gregos chamavam de eudaimonia, o “bom espírito” cuja tradução é felicidade.

Entrevista retirada do link: https://goo.gl/UH2U4D

Publicada na Revista Educação Profissional e disponível nas página 34 e 35 da Edição nº 5.